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Euclides da Cunha 1866 - 1909

''Venci por mim só, sem reclames, sem patronos, sem a rua do Ouvidor e sem rodas. Não invejo, porém,

os que se vão buscando mar em fora, de outras terras, a esplêndida visão...

Fazem-me mal as multidões ruidosas, e eu procuro, nesta hora,

cidades que se ocultam majestosas na tristeza solene do sertão." - Euclides da Cunha (1866 - 1909)

À memória de Euclides (José Marcio Castro Alves)


Rio, 10 de dezembro de 1907. Alberto Rangel.

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Rio, 10 de dezembro de 1907
Alberto Rangel
Aqui estou eu a invejar-te a existência deliciosa — tão diferente da minha nesta triste agitação de servo amarrado pelas linhas geográficas à gleba dos papéis de uma secretaria. Que os deuses propícios te prolonguem os dias da felicidade...
Recebo sempre os teus cartões-postais, gentilíssimos e breves, e tão sinceramente admirativos ante os encantos do velho mundo. Mas penso, com tristeza, que eles te estejam apagando na alma a lembrança da nossa rude e formosíssima terra. Precisas reagir contra a feitiçaria da Velha toda ataviada de primores e que, afinal, não vale a nossa Pátria tão cheia de robusta e esplêndida virgindade.
E tenho a esperança de que em breve te enjoem essas velharias enganadoras... e não mais te deslumbrará esse relíssimo Mônaco, que por si só empesta uma Civilização inteira. Que estranheza, meu querido amigo, não estarás sentindo, ao escutar a magnífica sinceridade de nossa robusta alma brasileira, ante o papaguear das trogloditas cultas que aí andam! Mas escrevo-te como a um irmão mais moço.
Estive há dias, pela primeira vez, em casa do Cavalcanti — e lá vi os trechos de tua carta em que te referes a vários lances do meu prefácio. Tive imenso prazer verificando que ele te agradou. Quando surgirá, afinal, o Inferno Verde? Espero-o todos os dias. Tenho já três críticos a postos, de penas perfiladas, prontos à primeira voz. — No teu último cartão referes-te a palavra "comunhão" a propósito da Maior, supondo que deve ser "criatura". É comunhão mesmo. Generalizei a tua idéia.
A mulher torturada é a Terra torturada. Apenas, esta palavra "comunhão" é medonha. Peço-te que substituas: comunidade, ou sociedade; o que faz melhor conforme a música do período que não tenho presente porque não tirei cópia.
Adeus. Muitas recomendações a todos. Aqui fica, cheio de saudades; esperando o livro magnífico, o teu velho colega e adm0R.
Euclides da Cunha
P. S. — Sei que acrescentaste mais um capítulo: "Pirites." Deves num posfácio prometer o reverso do quadro: o livro antítese do Inferno, em que se considere, otimistamente, a nossa prodigiosa Amazônia.