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Euclides da Cunha 1866 - 1909

''Venci por mim só, sem reclames, sem patronos, sem a rua do Ouvidor e sem rodas. Não invejo, porém,

os que se vão buscando mar em fora, de outras terras, a esplêndida visão...

Fazem-me mal as multidões ruidosas, e eu procuro, nesta hora,

cidades que se ocultam majestosas na tristeza solene do sertão." - Euclides da Cunha (1866 - 1909)

À memória de Euclides (José Marcio Castro Alves)


A Reinaldo Porchat, 15 de dezembro de 1893.

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Capital Federal, 15 de dezembro de 1893
Porchat (Reinaldo Porchat)
Saúdo-te — desejando-te o que mais me falta atualmente, a paz carinhosa e alentadora da família. Li a tua carta, como leio todas as cartas que me chegam de 5. Paulo, com a imensa tristeza dos que escutam a voz dos amigos ausentes, sem a esperança de os tornar a ver. Além disto a tua carta transuda a melancolia que devem realmente sentir os bons, na fase desastrosa que atravessamos. Pelo menos sobre mim a feição última dos acontecimentos refletiu-se da pior maneira. Não que o manifesto Saldanha me fizesse desanimar a mim, republicano feito nas asperezas da propaganda — mas sim por que a rosnadura do nostálgico molosso, que ora mostra os colmilhos perigosos, ladrando à República, faz-me conjeturar num prolongamento da luta, inevitavelmente desastrosa para a nossa terra.
O que haverá pelas bandas do futuro? Esta interrogação, perene no meu espírito, já se me tornou em perigosa obsessão; todos os meus atos, sinto-os em função dela, de sorte que vivo num constante oscilar — do desânimo maior às maiores esperanças. O que nos reserva o futuro? A nossa grande Pátria cindida pelas paixões decompor-se-á em minúsculos estados? Resistirá, forte, amparada pela República, à sinistra conspiração, dos velhos devassos imperiais, emudecidos a 15 de novembro e rugidores hoje? O que traduz a feição dúbia das potências estrangeiras e, sobre todas, a dessa perene inimiga do gênero humano — a Inglaterra — que realiza o fato assombroso de criar dentro de uma alma tão estreita os maiores homens do mundo, os Newtons, os Byrons e os Parnells?
Não vês a maneira pela qual as gentes pseudocivilizadas tratam os selvagens de todo mundo? A França, a Inglaterra, a Alemanha, exercendo miseravelmente o banditismo mais torpe roubando pátrias, saqueando os lares tranqüilos dos bárbaros na África e na Ásia. E ultimamente a Espanha, tão ciumenta da própria liberdade e tão cavalheira para defendê-la, investindo covardemente contra os Cabilas seminus e incultos? Suporão esses países gastos e fúteis, com a sua civilização ridícula de bulevares repletos de boêmios infecundos e desprezíveis, que somos nós uma variedade qualquer dos bôeres ou dos Cabilas? Todas estas interrogações, meu amigo, acodem-me de chofre e com tumulto ao meu espírito. Tenho-as sempre, vivíssimas e insolúveis. Nunca senti tão violento como hoje o que dantes era para mim um sentimento mau, traduzido por uma palavra que eu entendia não dever existir na linguagem humana — o nativismo. Tenho-o hoje, exageradamente. O estrangeiro, o estrangeiro que se diz civilizado — considero-o inimigo. É o inimigo pior e covarde, de luvas de pelica e sorridente, que nos mata e ao mesmo tempo avilta-nos. E eu pressinto que ele tem hoje o olhar cobiçoso sobre a nossa terra. O século XIX porém não testemunhará o desastre do aniquilamento de uma nacionalidade. As usinas do Krupp, Schneider, Bange e tantos outros 1.. .J do progresso não impedirão a majestosa evolução do espírito democrático confiado à política americana.
Já vai longa esta carta; escrevi rapidamente, de propósito, como que para apanhar em flagrante a minha maneira de sentir. Encarrego-te da missão de abraçar a todos os bons companheiros daí. Recomenda-me a toda a família e escreva sempre ao amº. seguro
Euclides da Cunha