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Euclides da Cunha 1866 - 1909

''Venci por mim só, sem reclames, sem patronos, sem a rua do Ouvidor e sem rodas. Não invejo, porém,

os que se vão buscando mar em fora, de outras terras, a esplêndida visão...

Fazem-me mal as multidões ruidosas, e eu procuro, nesta hora,

cidades que se ocultam majestosas na tristeza solene do sertão." - Euclides da Cunha (1866 - 1909)

À memória de Euclides (José Marcio Castro Alves)


Ao meu pai, 11 de dezembro de 1893

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Capital Federal, 11 de dezembro de 1893
Meu Pai
Abraço-vos desejando saúde e felicidades.
Escrevo sob a mais triste impressão. O longo afastamento dos que tanto estimo aliado aos trabalhos da minha posição, as preocupações que a todo momento me agitam, o pensamento constante no futuro e toda a incerteza do presente — têm-se refletido da pior maneira sobre mim. Sinto-me abater dia a dia, minado por doença pertinaz (peço-vos não dizer isto a Saninha) sinto-me cada vez mais fraco e com o pressentimento cada vez maior de um tristíssimo fim. A minha energia moral pode apenas dominar todo esse abatimento da minha natureza. Se há um Deus, ele sabe de quanta virtude eu disponho para arcar com o cumprimento de tão penosos deveres; aliados a sacrifícios tão grandes. Acabo de receber uma carta de Saninha que ainda mais me abateu: diz-me que está doente e pede-me para ir buscá-la. Eu sei que ela deve sofrer muito na dolorosa situação em que está, na iminência constante de uma viuvez que a pode assaltar quando menos a esperar, mas o que hei de fazer? Não posso sair daqui. Não posso abandonar a minha posição. Não posso desonrar-me pela deserção — não posso, não devo e não quero. Apesar disto não a quero contrariar. Ela tem sofrido tanto que eu não seria digno se permanecesse surdo ao seu pedido. Quando surgiu essa maldita revolta que a tantos tem feito sofrer, pensei imediatamente no sr. como a única pessoa capaz de me amparar no doloroso transe, a única a que eu podia confiar a minha mulher e o meu filho. E eu não me iludi. Estou certo de que a Saninha encontrou no sr. um verdadeiro pai (e isto ela me tem dito) — mas como na carta que me acaba de enviar disse-me que se sente doente e teme até morrer aí, desejando voltar, eu, não podendo sair daqui, fico no desespero dos que não podem tomar deliberação alguma. Como contrapeso a tudo isto aparece-me agora uma tosse insistente e rebelde e progredindo espantosamente. Os médicos dizem que eu devo ter muito cuidado, que os sintomas são maus e etc. Nada porém eu posso fazer, nem mesmo para tratar da saúde se dão licenças. Vivo uma vida realmente miserável — não por falta de dinheiro — sem poder ter a mais ligeira higiene como regularidade de alimentação. Reconheço assim que é preferível que aqui estejam a Saninha e o filhinho, apesar de todos os perigos; quando menos eu sairei de um modo de vida ao qual estou certo que o meu organismo não pode resistir. O sr. tem explosões de gênio mas o coração generoso sempre e o pensamento sempre digno — há de compreender a situação dolorosa em que me acho e fazê-la cessar.
Meu pai, eu sinto o maior abatimento — corolário inevitável de preocupações e trabalhos que tenho tido — peço, pois para desculpar o desânimo que transpira desta carta, lembrando-se que ela é de um filho que vos estima muito mas que atualmente sofre também muito. Todos daqui que me vêem acham-me ainda mais abatido e alquebrado. E um dos motivos que fazem com que eu deseje satisfazer o pedido de Saninha é o pressentimento constante de que se tal não fizer talvez não veja mais o filhinho e ela.
Peço para recomendar-me a todos; desculpai e abençoai ao seu filho
Euclides da Cunha