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Lorena, 18 de outubro de 1903
Meu venerando compatriota Joaquim Nabuco. Dando a preferência de seu sufrágio ao almirante Jaceguay e implicando-a com tanta superioridade, o sr. deu à carta, com que me distinguiu, um raro traço de nobreza, sobredoirando o valiosíssimo autógrafo que guardarei carinhosamente entre as melhores relíquias, que possuo. De pleníssimo acordo com o seu pensar, e agradecendo-lhe muito, o tê-lo exposto sem rodeios, (porque me fez justiça de acreditar que de modo algum eu me poderia sentir abatido, no plano secundário que naturalmente ocupo ante aquele notável compatriota) posso afirmar-lhe que não aventurara a minha candidatura se a tivesse de opor à do autor do Dever do Momento, livro a que devemos em parte a felicidade de vermos restituído à atividade política aquele cuja Formação reflete incisivamente, sintetizado numa existência individual, a própria formação do que há de mais brilhante, de mais sério e de mais robusto na nossa consciência coletiva atual.
Não vai a mínima lisonja nestas linhas. Todos os de minha geração devemos muito à sua palavra, porque a ouvimos precisamente na quadra em que sua tonalidade prodigiosa se harmonizou admiravelmente a todos os grandes arrojos e desinteresses da mocidade.
Ela — que por uma circunstância notável tantas vezes se alevantou em frente a Escola Politécnica — dominava, não raro a dos nossos mestres e ampliou o nosso destino subalterno de engenheiros, dando-lhe um significado superior tão bem expresso naquele "triangulador do futuro", a que se refere imaginamente, golpeando de súbitos lances de gênio a secura matemática da aula de Construção, o bom e genial André Rebouças.
Não me demorarei neste assunto, para não me delongar. Basta-me assegurar-lhe que nenhum de nós, rapazes daquele tempo, traiu aquela admiração antiga para que o sr. aquilate bem a verdadeira ufania com que recebi as suas letras.
Quanto aos Sertões — aguardo tranqüilo o resultado de sua leitura. Os deslizes na forma que o inquinam (o José Verissimo inflexivelmente os denunciou) empalidecerão na escala de sinceridade com que esboço as suas páginas. Aí está o seu único valor, mas este é desmesura. Releve-me esta verdade, o Dante, para zurzir os desmandos de Florença idealizou o inferno; eu, não, para bater de frente alguns vícios do n~ singular momento histórico, copiei, copiei apenas, incorruptivelmente um dos seus aspectos... e não tive um Virgílio a amparar-me ante o furor dos condenados!
Não lhe devo tomar mais seu tempo que nesta ocasião pertence todo à nossa terra. Termino assegurando-lhe o meu maior apreço, a certeza e crescente admiração como comp. at. e amº.
Euclides da Cunha
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