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Euclides da Cunha 1866 - 1909

''Venci por mim só, sem reclames, sem patronos, sem a rua do Ouvidor e sem rodas. Não invejo, porém,

os que se vão buscando mar em fora, de outras terras, a esplêndida visão...

Fazem-me mal as multidões ruidosas, e eu procuro, nesta hora,

cidades que se ocultam majestosas na tristeza solene do sertão." - Euclides da Cunha (1866 - 1909)

À memória de Euclides (José Marcio Castro Alves)


Coelho Neto

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Lorena, 22 de novembro de 1903
Coelho Neto
Cheguei hoje do Rio onde tomei revolucionariamente posse de meu lugar no Instituto Histórico. Os jornais limitaram-se a transcrever a resposta do conselheiro Corrêa que pronunciou o seu 10 008º discurso. Não transcreveram o meu; não podiam arquivá-lo tão a fundo, tão de frente, embora sob um aspecto geral, eu feri o presente abominável em que estamos. Sem vaidade — tive, por alguns momentos, em tomo de mim, a simpatia tocante de alguns trêmulos velhinhos, e aqueles minutos irão consolar a minha vida inteira...
Depois conversaremos: em dezembro (em princípio) irei visitar meu velho, e passarei aí para te abraçar.
Então. eu não creio em Deus?! Quem te disse isto? Puseste-me na mesma roda dos singulares infelizes, que usam do ateísmo como usam de gravatas — por chic, e para se darem ares de sábios... Não. Rezo, sem palavras, no meu grande panteísmo, na perpétua adoração das coisas; e na biha miserabilíssima e falha ciência sei, positivamente, que há alguma que eu não sei... Aí está neste bastardinho (e é a primeira vez, depois da aula primária, que o escrevo) a minha profissão de fé. Há de adivinhá-lo teu valente coração. Se existir o teu céu, meu brilhante amigo, — para lá irei direitinho, num vôo, um largo vôo retilíneo desta alma aquilina e Unta — com assombro de não sei quantos rezadores, cujas asinhas de bacurau servem para os voejos, na penumbra do Purgatório. E serás o meu companheiro de jornada, porque é na nossa superenervação, e é no nosso idealismo sem fadigas, e é na nossa perpétua ânsia do belo, que eu adivinho e sinto o que não sei. Singularíssimo ateu...
Mas não quero tomar-te mais tempo. Até breve. Recomendações e abraços do Euclides.