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Euclides da Cunha 1866 - 1909

''Venci por mim só, sem reclames, sem patronos, sem a rua do Ouvidor e sem rodas. Não invejo, porém,

os que se vão buscando mar em fora, de outras terras, a esplêndida visão...

Fazem-me mal as multidões ruidosas, e eu procuro, nesta hora,

cidades que se ocultam majestosas na tristeza solene do sertão." - Euclides da Cunha (1866 - 1909)

À memória de Euclides (José Marcio Castro Alves)


Carta ao pai, Manuel Rodrigues Pimenta da Cunha - Rio, 14 de junho de 1890 - A primeira carta de Euclides.


Rio, 14 de junho de 1890
Meu Pai (Manuel Rodrigues Pimenta da Cunha)
Desejo-lhe muitas felicidades e saúde bem como a Adélia, da qual até agora ainda não recebi carta alguma em resposta a muitas que já lhe tenho escrito. Recebi uma carta sua um dia após a um telegrama em que o sr. dizia não poder vir agora por se achar com os trabalhos da colheita de café e esperava o sr. Claudiano. Espero pois o sr. e Adélia em princípios de julho e não posso dizer com que alegria espero o momento de vê-lo abraçar aquela a quem já chamou de nova filha e que verdadeiramente é em tudo digna disto.
Disse o sr. que tendo o casamento de se realizar em setembro havia muito tempo para os aprestos dele; me parece, porém, e será mais conveniente para mim, que ele poder-se-á realizar antes, em agosto, por exemplo e já acordaram neste ponto comigo a d. Túlia e o coronel Solon.
Assim eu terei tempo de harmonizar essa brusca mudança de estado com a quadra trabalhosa dos meses de outubro, novembro sem o menor prejuízo para os meus estudos. Já agora eu sinto e confesso ao sr. com a maior sinceridade que me seria penosíssimo esperar, pois é muito difícil afastar a preocupação constante que alimento e prefiro antes do que pensar nas grandes responsabilidades do futuro, senti-las e desempenhá-las. A conselho do Solon desliguei-me inteiramente de algumas ligações políticas que começava a ter; não escrevo de há muito para a Democracia — Parece-me que fiz bem; desconfio muito que entramos no desmoralizado regime da especulação mais desensofrida e que por aí pensa-se em tudo, em tudo se cogita, menos na Pátria. As minhas aspirações acham-se contudo de pé: retraio-me agora; estudarei, tratarei de formar melhor o meu espírito e o meu coração e mais tarde, passada essa febre egoística e ruim que parece alucinar a todos, quando sentir-se necessidade de homens e os que atualmente escalam cegamente as posições, conscientes da própria fraqueza, delas abdicarem voluntariamente —aparecerei então, se puder, se quiserem. Sei que o sr. aprova esse proceder — pelo menos porque assim procedendo eximo-me à decomposição geral que por aqui parece visar o aniquilamento das mais sólidas individualidades. Imagine o sr. que o Benjamin, o meu antigo ídolo, o homem pelo qual era capaz de sacrificar-me, sem titubear e sem raciocinar, perdeu a auréola, desceu à vulgaridade de um político qualquer, acessível ao filhotismo, sem orientação, sem atitude, sem valor e desmoralizado — dói-me dizer isto — justamente desmoralizado. Eu creio que se não tivesse a preocupação elevada e digna que me nobilita, teria de sofrer muito, ante esse descalabro assustador, ante essa tristíssima rumaria de ideais longamente acalentados... Eu sinto-me feliz considerando que o sr. se acha aí, longe, bem longe do ambiente corrupto que nos envolve aqui. Peço-lhe que me responda com brevidade. Não posso dar notícias de amigos e conhecidos porque não tenho descido à cidade. Peço-lhe que dê por mim um apertado abraço em Adélia e abençoe ao seu filho e amO.