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Euclides da Cunha 1866 - 1909

''Venci por mim só, sem reclames, sem patronos, sem a rua do Ouvidor e sem rodas. Não invejo, porém,

os que se vão buscando mar em fora, de outras terras, a esplêndida visão...

Fazem-me mal as multidões ruidosas, e eu procuro, nesta hora,

cidades que se ocultam majestosas na tristeza solene do sertão." - Euclides da Cunha (1866 - 1909)

À memória de Euclides (José Marcio Castro Alves)


Lorena, 27 de fevereiro de 1903 - Amigo dr. Araripe Júnior,

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Lorena, 27 de fevereiro de 1903
Amigo dr. Araripe Júnior,
Recebi o seu cartão e aguardo — nem imagina com que ansiedade! — o seu juízo sobre os meus Sertões.
Na véspera havia lido o seu último artigo sobre os "Comentários" da nossa Constituição Federal, do dr. João Barbalho, e, francamente, ali notei, sob um aspecto inteiramente novo, ajustado ao destino dos povos americanos, a doutrina, sem número de vezes discutida e falseada, de Monroe.
Mas o que sobretudo me impressionou foi o desassombro, a magnífica rebeldia de um espírito em plena insurreição contra o nosso sentimentalismo mal educado e estéril. Considero o paralelo, ou melhor, o contraste lucidamente exposto, entre as duas expansões, a teutônica e a ianque, como raio de uma visão que nos últimos tempos mais se tem dilatado no perquirir o destino superior da civilização.
Sou um discípulo de Gumplowicz, aparadas todas as arestas duras daquele ferocíssimo gênio saxônico. E admitindo com ele a expansão irresistível do circulo singenético dos povos, é bastante consoladora a idéia de que a absorção final se realize menos à custa da brutalidade guerreira do "Centauro que com as patas hípicas escarvou o chão medieval" do que à custa da energia acumulada e do excesso de vida do povo destinado à conquista democrática da terra.
Não calculo até que ponto se possa aceitar o seu otimismo sobre a hegemonia norte-americana. Mas, dado mesmo que ele falhe por completo, e que o malsinado imperialismo ianque se exagere até a posse dos países estranhos, — de que nos valeriam lamúrias de superstições patrióticas?
Vi no seu artigo um significado superior, sugerindo uma medida prática; subordinados à fatalidade dos acontecimentos, agravados pela nossa fraqueza atual, devemos antes, agindo inteligentemente, acompanhar a nacionalidade triunfante, preferindo o papel voluntário de aliados à situação inevitável de vencidos.
É o pensar dos que não desejam ser amigos ursos da Pátria, embora atraindo a pedrada patriótica dos que por aí, liricamente, a requestam numa adorável inconsciência de perigos que a rodeiam.
E julga-se feliz com esta perfeita uniformidade de vistas, o seu patrício admor.
Euclides da Cunha