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Euclides da Cunha 1866 - 1909

''Venci por mim só, sem reclames, sem patronos, sem a rua do Ouvidor e sem rodas. Não invejo, porém,

os que se vão buscando mar em fora, de outras terras, a esplêndida visão...

Fazem-me mal as multidões ruidosas, e eu procuro, nesta hora,

cidades que se ocultam majestosas na tristeza solene do sertão." - Euclides da Cunha (1866 - 1909)

À memória de Euclides (José Marcio Castro Alves)


Exmo. sr. José Veríssimo

*

Lorena, 3 de dezembro de 1902
Exmo. sr. José Veríssimo
Ao ler no Correio de ontem a notícia do seu juízo critico sobre os Sertões, tive, renascida, uma velha comoção que já supunha morta — a de calouro, nos bons tempos passados, em véspera de exame. E não era para menos, dada a competência do juiz. Felizmente este foi generoso. Demonstra-o o belo artigo que acabo de ler, no qual, atendendo principalmente às observações relativas à minha maneira de escrever, colhi proveitosos ensinamentos.
Num ponto apenas vacilo — o que se refere ao emprego de termos técnicos. Aí, a meu ver, a crítica não foi justa.
Sagrados pela ciência e sendo de algum modo, permita-me a expressão, os aristocratas da linguagem, nada justifica o sistemático desprezo que lhes votam os homens de letras — sobretudo se considerarmos que o consórcio da ciência e da arte, sob qualquer de seus aspectos, e a tendência mais elevada do pensamento humano. Um grande sábio e um notável escritor, igualmente notável como químico e como prosador, Berthelot, definiu, faz poucos anos, o fenômeno, no memorável d com que entrou na Academia Francesa.
Segundo se colhe de suas deduções rigorosíssimas, o escritor futuro será forçosamente um polígrafo; e qualquer trabalho literário se distinguirá dos estritamente científicos, apenas, por uma síntese mais delicada, excluída apenas a aridez característica das análises e das experiências.
Se não mo impedisse esta minha vida perturbada de commis-voyageur da engenharia (e hoje mesmo seguirei para 5. Luís do Paraitinga em viagem urgente!) abordaria esta questão pela imprensa. Mais competente, porém, para isto, é o sr., que, ademais, tem grandes responsabilidades pelo nosso movimento literário. Por que não a agita? Eu estou convencido que a verdadeira impressão artística exige, fundamentalmente, a noção científica do caso que a desperta — e que, nesse caso, a comedida intervenção de uma tecnografia própria se impõe obrigatoriamente — e é justo desde que se não exagere ao ponto de dar um aspecto de compêndio ao livro que se escreve, mesmo porque em tal caso a feição sintética desapareceria e com ela a obra de arte.
Desejo muito conhecer o seu pensamento acerca desta questão; e comprometo-me desde já a defender, na medida das minhas forças, a tese acima esboçada.
Terminando, resta-me agradecer de todo o coração o nobilitador juízo que manifestou por mim e a verdadeiramente admirável compreensão que teve do meu livro, em que pese a uma leitura naturalmente rápida.
Peço-lhe que me recomende à Exma. senhora e filhos, acreditando sempre na alta consideração do — amº. e admirador
Euclides da Cunha
P. S. — Estarei de volta, de 5. Luís, no domingo, 7 do corrente.