English French German Spain Italian Dutch Russian Portuguese Japanese Korean Arabic Chinese Simplified

Euclides da Cunha 1866 - 1909

''Venci por mim só, sem reclames, sem patronos, sem a rua do Ouvidor e sem rodas. Não invejo, porém,

os que se vão buscando mar em fora, de outras terras, a esplêndida visão...

Fazem-me mal as multidões ruidosas, e eu procuro, nesta hora,

cidades que se ocultam majestosas na tristeza solene do sertão." - Euclides da Cunha (1866 - 1909)

À memória de Euclides (José Marcio Castro Alves)


João Luís Alves, saúdo-te assim como a toda a família.

*

S. Paulo, 9 de outubro de 1895
João Luís Alves
Saúdo-te assim como a toda a família.
Até que afinal!...! Afinal consegui a suprema ventura de ter uma carta tua, duplamente valiosa, porque trouxe as duas fotografias fidelíssimas, a moral e a física do companheiro e bom amigo ausente. ~ andava bastante contrariado com o silêncio dos meus amigos Campanha e achava singular que não encontrassem nas suas longas horas de tranqüilidade cinco minutos para escreverem-me; rompeste felizmente o criminoso silêncio.
Lamentei que a tua carta, tão vibrante e iluminada, trouxesse, dividindo-a transversalmente na sua primeira página, tristíssima novidade que ali estava anômala como um farrapo de treva, como um trapo de nuvem tempestuosa num céu claríssimo e vasto. Devias tê-la enviado num de papel, à parte, porque ela é um traço eloqüentíssimo da feição dolorosa da alma humana... Passemos porém, a outro assunto.
Ficamos muito satisfeitos com a notícia da tua próxima vinda aqui. Que ela não fique apenas em projeto e se vieres previne-me antecedência a fim de esperá-los porque não dispenso absolutamente a satisfação de acolher o meu amigo e família na minha tenda de árabe.
O que poderei dizer-te de novo sobre a minha vida? E sem mesma, incoerente, sulcada, de desânimos profundos, agitada, de ações tumultuosas, iluminada às vezes por esperanças imensas...
mente porém, meu caro João Luís, prendi-a à de dois filhos pequenos, transformei-a de direito que é para quase toda a gente em dever imprescritível (se é que admites tão singular dever) e sigo avante. Deves saber que a minha índole é contraposta ao meio tumultuoso em que estou, aonde a luta pela vida lembra, pela ferocidade e pelo bárbaro egoísmo a agitação da idade das Cavernas.
Estou entre trogloditas que vestem sobrecasacas, usam cartola e lêem Stuart Mill e Spencer — com a agravante de usarem armas mais perigosas e cortantes que os machados de Sílex ou rudes punhais de pedras lascadas. Imagina agora que milagres tenho feito: vou bem entre eles! Não me devoraram ainda e — fato singular —! não precisei para isto despir-me da rude simplicidade espartana que desgraçadamente tenho. Atravesso essa sociedade agitada numa abstração salvadora, cedendo automaticamente ao dever com a precisão de uma máquina moderna. Em compensação, a sociedade moderna — essa que nós também conhecemos encontra no meu lar ampla, iluminada, vastíssima — limitada pelos quatro ângulos da minha estante. E assim vivo aqui nesta boa terra.
E você? Persiste ainda no propósito de permanecer ai perenemente, na Tebaida — como um monge imberbe, ilogicamente desalentado? Não te atrai uma estrada mais perigosa e abrupta para o futuro? Conta-me alguma coisa neste sentido, na resposta a esta que espero breve.
Diga ao nosso grande amigo dr. Brandão compreendo perfeitamente que somente raras vezes terá tempo para escrever aos amigos, com a vida atarefada que aí leva.
Recebemos o broche que aí ficara e não comuniquei porque era desnecessário.
Recomende-nos muito a todos da tua família e do dr. Brandão. Mal resta-me espaço para assinar-me como sempre. Amº. obrmo.
Euclides da Cunha

CONTINUAÇÃO